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O circo merece prestígio

O que o circo tem a ver com problemas sociais ou com problemas econômicos como emprego e renda? Aparentemente nada, diríamos. Sim, diríamos, até que o programa Fantástico, da Rede Globo, levou ao ar as cenas e diálogos…

O que o circo tem a ver com problemas sociais ou com problemas econômicos como emprego e renda? Aparentemente nada, diríamos. Sim, diríamos, até que o programa Fantástico, da Rede Globo, levou ao ar as cenas e diálogos do documentário Falcão – Meninos do Tráfico – produzido ao longo de oito anos pelo happer MV Bill e pelo produtor Celso Athayde, ambos moradores de uma das regiões mais pobres e violentas do Rio de Janeiro: Cidade de Deus.

Num dos momentos mais chocantes, o documentário apresentou um dos jovens tragados pelo tráfico que revelava um ressentimento pelo fato de nunca ter ido a um circo:

– Minha mãe prometeu me levar ao circo. Aquela lona enorme, colorida. Eu queria ir. Era o meu sonho. Eu nunca fui a um circo. Eu queria ser palhaço.

O fato acontece, por acaso, bem próximo do dia 27 de março, data em que se comemora o Dia Nacional do Circo, consagrado em homenagem ao palhaço Piolin, nascido em Ribeirão Preto no dia 27 de março de 1897. A data foi inicialmente instituída pela cidade de São Paulo, em 1972, e acabou ganhando o país. Neste mesmo 27/03 comemora-se o Dia Internacional do Teatro, celebrado desde a inauguração do Teatro das Nações Unidas, em Paris (circo e teatro sempre andaram muito juntos, sendo o primeiro a mais antiga das artes, pai do segundo).

O circo chegou ao Brasil através dos ciganos, na segunda metade do Século XIX. Talvez por conta desta origem – ou por tão antigo e de certo modo marginal, popular e periférico – esteja ele sempre tão relegado na categoria de valores das sociedades contempo râneas. Mas, embora, esse aparente desprestígio, em verdade a arte foi sedimentando-se e segue ainda muita ativa, mesmo com os reveses causados pela televisão e pelas novas tecnologias que mudaram a cultura de entretenimento no Brasil e no mundo.

Hoje, apesar da ausência de um senso confiável, estima-se que estejam circulando pelo país entre 300 e 500 circos de lona de vários portes. Dos mais tradicionais circos de família, pequenos e médios, aos mais modernos circos empresariais. Estes com uma média de cem pessoas trabalhando em cada um, alguns com até 200 funcionários. Estima-se também em cerca de dez mil o número de pessoas vivendo da atividade mambembe (o site www.pindoramacircus.com.br é uma das fontes de pesquisa sobre a quantidade de circos brasileiros). São palhaços, mágicos, malabaristas, domadores, equilibristas, cantadores, trapezistas e acrobatas, contorcionistas, pirofagistas, capatazes, bailarinos e bailarinas e ainda muitas outras profissões do mundo encantado das artes circenses, driblando crise e preconceito, vendendo sempre o seu mais chamativo produto: a alegria.

Mesmo ainda reclamando a regulamentação das profissões ligadas ao setor, os tempos modernos trouxeram novidades como o universo das escolas de circo, a exemplo da Escola Nacional de Circo da Funarte, que funciona no Rio de Janeiro com uma equipe de 20 professores e oficineiros e mais de cem alunos. Escolas semelhantes existem no Recife, em Belo Horizonte, Brasíl ia, Salvador, Londrina e São Paulo.

Outra novidade foram os grupos e os chamados projetos sociais que tem o circo como elemento pedagógico, e que se espalharam por todo o país nas últimas duas décadas. Os grupos não necessariamente possuem lona, mas circulam espetáculos de circo pelos teatros e ruas em vários cantos do Brasil. Um bom exemplo de projeto social do circo é o Se Essa Rua Fosse Minha, dirigido por Cláudio Barria, que tem se colocado na linha de frente da batalha pela conquista dos jovens, tendo no front contrário às tentações do tráfico de drogas.

Es sa realidade já havia despertado a atenção do Governo Federal que ampliou os investimentos no Prêmio Nacional de Estímulo ao Circo, saltando de R$ 100 mil na gestão anterior para R$ 2 milhões de aplicação direta em projetos da área na atual gestão da Funarte e do Ministério da Cultura. Investimento que se complementa com a criação da Câmara Nacional Setorial do Circo, organizada com representantes e ativistas de todo o país para negociar, com governo e sociedade, alternativas de desenvolvimento para a atividade.

Entre as inúmeras reivindicações dos circenses, uma delas ganhará um holofote especial neste fim de verão com uma Carta aos Prefeitos, levada avante pela ASFACI (Associação das Famílias de Circo) e assinada por milhares de circenses. A carta propugna maior atenção e respeito por parte das prefeituras de todo o Brasil. Os circos são uma das raras alternativas de fruição cultural ainda acessível aos habitantes do interior, onde as salas de cinema e os teatros (se existiram em algum tempo passado) hoje estão com as portas fechadas. Isso, porém, não tem sido garantia de hospitalidade.

O que querem? Dinheiro? Não. O que reivindicam são condições mínimas. Menos burocracia e uniformização das regras para a retirada de alvarás de funcionamento e a destinação de espaços próprios para a atividade nos municípios, hoje reduzidos pelo crescimento desordenado das cidades, especialmente das grandes e médias. Um terreno destinado à instalação de circos, onde haja água potável, instalações sanitárias e luz elétrica. E, como não poderia ser diferente, o cumprimento da Lei Federal que garante aos filhos de famílias mambembes o direito de freqüentar a escola no município onde a lona estiver instalada.

Você acha muito?

Com o crescimento louvável das causas ambientalistas e do número de Ongs de defesa dos animais, uma polêmica desagradável vem cercando a atividade no que se refere ao manejo dos característicos animais de circo. Muito bem vinda, então, a reivindicação dos próprios circenses para que seja regulamentado o uso de animais nos espetáculos e incrementada a fiscalização. O que, aliás, também é dever da esfera pública.

Por fim e por curiosidade, lembremos que, diante das dificuldades que vêm abatendo o teatro, cada vez mais dependente de patrocínios e subvenções para a sua sobrevivência, o circo (embora antigo e nem sempre valorizado pela mídia e pelas elites culturais) ainda mantém na bilheteria sua principal fonte de receita. E qualquer um pode ir ao circo pagando ingressos que variam de módicos R$ 3,00 nos espetáculos populares, até R$ 15,00 ou R$ 20,00 nos chamados grandes circos.

Portanto, viva a diversidade! Salve o Circo! Salve o Brasil!

Vitor Ortiz é Diretor do Centro de Programas Integrados da Funarte

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