Pano de roda, nariz de palhaço

Pano-de-Roda-13-10-07-015Eles vieram numa Kombi.
Pano de Roda.
E me lembraram a chegada do trem no filme “O Maior Espetáculo da Terra”, os imensos
vagões transportando perfeitamente um circo ideal. Na Kombi, tudo cabia
perfeitamente dentro do pequeno espaço do veículo, dos narizes de palhaço aos artistas,
encarnando o mambembe.
Perfeito.
Amor perfeito, entre a arte e o circo, o prazer e o ofício.
Na praça, a tenda armada para o espetáculo não era parte do cenário original, mas abrigou do
sol as duas centenas de pessoas que foram se achegando, atraídas pelo momento saltimbanco.
Como testemunha, a torre da Matriz, a igreja na praça.
Como nos velhos tempos, uma praça, uma igreja, um pano de roda, uma atração na cidade.
E Pano de Roda, do Clã Studio das Artes Cômicas, naquela manhã em que fui à Praça da Matriz
para entrevistar Rodrigo Buchiniani – entrevista sobre circo e Direito – impressionou-me, pela
linguagem e criatividade.
Tudo conspirava.
Manhã de sábado, manhã de riso, manhã de circo, manhã de roda.
Ao redor do espaço cênico montado sob a tenda de metal, a roda se fez, sem pano.
E as fotos que fiz naqueles momentos mágicos não me deixam mentir sobre o encantamento
nos olhos das crianças e a doce hipnose que tomou conta de rostos adultos, em infantis
expressões.

Como nos velhos tempos do circo-teatro, o espetáculo tinha três momentos: númerosPano-de-Roda-13-10-07-012
tradicionais circenses, do trapézio aos malabares, e uma peça teatral, entremeados por
palhaçadas. A montagem simples sugeria o picadeiro na frente de um palco. Tudo na
linguagem do riso, transitando a cada número estilizado, encenado por palhaços unicamente.

” – E o palhaço o que é?
– É ladrão de mulher.”

Naquela manhã luminosa, observei, o palhaço foi tão somente ladrão do medo nas mentes
preocupadas, ainda que por momentos. Levou o medo, deixou o riso…
Palhaço-trapezista, do trapézio que lembra Beatriz, canção de Chico Buarque e Edu Lobo.
Palhaço mestre da cerimônia circense – “Senhoras e senhores, respeitável público!…”.
Palhaço-palhaço, como no dizer de Alice Viveiros de Castro em “O Elogio da Bobagem”: “…não
importa se sua cabeleira é vermelha e os sapatos enormes, ou se, ao contrário, ele veste um
sóbrio terno e está sem nenhuma maquilagem. Identificamos um palhaço não apenas pela
forma, mas principalmente pela sua capacidade de nos colocar, como espectadores, num
estado de suspensão e tensão que, em segundos – sabemos de antemão – , vai explodir em
risos”.

Palhaço-arte, como expressou, Denise, uma das integrantes do Clã Studio das Artes Cômicas,
após o espetáculo Pano de Roda: “Tem gente que acha que é mais fácil fazer as pessoas
rirem do que fazer o drama. Mas, muito pelo contrário, pra você despertar o riso, que não
seja apelativo, que não seja aquela coisa de você estar falando palavrão ou você ficar usando
uma pessoa de chacota pras pessoas rirem, o riso puro e gostoso, é difícil. Eu ouço muito,
assim: ‘Nossa! Precisa estudar pra ser palhaço?’.”

E Pano de Roda me impressionou de forma diferente, talvez, daquela que tocou o público
presente, além do riso, pois me chamou atenção a maneira simples e criativa com que todas as
partes de um espetáculo tradicional de circo foram colocadas na praça, palhaços dando alma a
animais, adestradores, equilibristas, malabaristas, trapezista.

No alto, a trapezista, mais cômica que graciosa, encarnada por Denise, que disse também de ser mulher, vestindo máscara de palhaço:

“Eu confesso que foi uma luta muito grande, assim, porque tem uma tradição, né, de quePano-de-Roda-13-10-07-004
palhaço é homem. Então, pra gente que é mulher, conseguir fazer graça, conseguir ser…
construir um clown sendo mulher é complicado. Mas quando você tá num espetáculo de rua,
onde todo mundo tem que fazer tudo… Aqui não tem diferença, aqui todo mundo carrega,
todo mundo monta, todo mundo desmonta… Então, acaba facilitando até o trabalho, né? E…
a gente que constrói tudo junto, faz, monta e desmonta, não fica com essa coisa de “Ai, ela é
mulher, tem que só fazer isso!” Aqui eu faço todos os papéis… Desde a mais bonita, que é a
Pat, né, que rebola, que dança… à palhaça que cai e se arrebenta, se arranha…”

E ao final, Pano de Roda levava ao palco Shakespeare. Romeu e Julieta em narizes de palhaço.

A tragédia na máscara do riso.

Entendi a proposta do espetáculo, mas isso era dispensável, necessário era o riso.

Pano de Roda…

Passado o chapéu, depois dos aplausos, sem cortina nem pano na roda, tudo coube novamente dentro da Kombi.

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