Palhaçaria e cuidado: novas estéticas, infinitas possibilidades

Em 26 de junho de 1923, o jornalTimes Heraldpublicava em Nova Iorque, uma pequena nota sobre os palhaços da saúde na página 8. Na época, já havia palhaços que visitavam hospitais, bem como a utilização da palhaçaria para a educação em saúde com crianças nos Estados Unidos. Esta última perspectiva era, entretanto, a mais comentada e, inclusive, era a pauta da pequena notícia. O interessante detalhe que trago aqui é que, já naquela época, a reportagem relatava um trabalho que vinha tendo relativo sucesso, mas que ainda não estava muito bem documentado na literatura. É curioso observar que até hoje, palhaçaria, cuidado e saúde ainda causam estranhamento, mesmo após tantos anos, e com todo o alarde feito na mídia em função de trabalhos de profissionais como Patch Adams, ou grupos de artistas como os Doutores da Alegria.

Por várias décadas os palhaços circenses fizeram visitas voluntárias em asilos e hospitais em todo o mundo. Nos anos 1980, entretanto,Michael Christensen criava, nos Estados Unidos, uma metodologia de visitação para crianças internadas, o que hoje conhecemos como palhaçaria hospitalar, que rapidamente se disseminou por todo o mundo. Antes disso, entretanto, o médico e ativista Patch Adams já utilizava palhaçaria dentro de sua instituição de saúde, além de também incluir suas performances como forma de denunciar as desigualdades do mundo e promover reflexões sobre paz e solidariedade. Ambos inspiraram vários outros artistas e profissionais da saúde a realizar trabalhos semelhantes, bem como grupos de voluntários que utilizam a imagem do palhaço em suas atividades de filantropia.

Novas estéticas e metodologias vão surgido, a partir de quando alguns palhaços começaram a se especializar em diferentes campos do cuidado. Atento a todo este movimento, o XI Congresso Internacional da Rede Unida, realizado em 2014, na cidade de Fortaleza, apresentou uma távola chamadaPalhaçaria e o cuidado em saúde: novas estéticas?onde discutiria um pouco destas novas possibilidades.
Foram convidados Cléo Lima, pedagoga em saúde e palhaça, Marcus “Matraca”, Doutor em Biociências e palhaço e a pesquisadora Dra. Erminia Silva, integrante da linha de pesquisa Micropolítica do trabalho e o cuidado em saúde (UFRJ – RJ). Por razões pessoais e de trabalho, Matraca não pôde comparecer ao evento, e eu acabei sendo convidado para substituí-lo.

Matraca fez parte da minha banca de Dissertação de Mestrado em Informação e Comunicação em Saúde (1).Seu trabalho muito inspirou minha dissertação. Ele nos remete aos anos 1920, quando havia o grandeboomda palhaçaria na educação em saúde americana. Matraca, entretanto, avança no debate, discutindo a dialogia do riso como estratégia para a promoção da saúde e incluindo moradores de rua e profissionais do sexo como público-alvo para as ações do palhaço. Diferente dos palhaços nos anos 1920, que dialogavam basicamente sobre higiene e nutrição, este atual trabalho concentrava-se nas temáticas das doenças sexualmente transmissíveis.

Cléo Lima trabalha atualmente comigo no Coletivo Experimentalismo Brabo (2). Sempre admirei bastante seu trabalho como palhaça e educadora, e fiquei bastante surpreso e feliz de seu aceite em participar comigo desta nova empreitada braba. A “Doutora Borboleta”, nome de sua palhaça, tem larga experiência com atividades lúdicas em favelas, mas trouxe à Rede Unida uma discussão sobre seus tempos de palhaça residente. Sua atuação está mais próxima da discussão do Patch Adams, a partir do momento em que ela, enquanto profissional de saúde, se propõe a praticar plantões de 8 horas como palhaça numa unidade de saúde. Sua discussão avança neste sentido, de como manter-se palhaça por tanto tempo ao dia, dentro de uma rotina hospitalar. Além disso, sua discussão avança ao trazer novos argumentos em favor do brincar como atividade fundamental em uma unidade de saúde.

Já o meu trabalho, é focado na palhaçaria para a terceira idade. Trago a discussão de uma estética de palhaçaria voltada para instituições de longa permanência para idosos, onde a escuta acaba sendo um fator determinante para a construção estética deste palhaço visitador, que tanto pode lembrar o trabalho de grupos de artistas como o Doutores da Alegria, mas com uma boa influência da perspectiva empregada pelo Patch Adams. Falaremos sobre isso em outras ocasiões…

Só aqui neste texto de estreia, temos várias possibilidades abertas para a palhaçaria no cuidado, na promoção da saúde. Fico apenas me perguntando até quando acharemos que tudo isso é novidade…

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1.Melo, Leonardo de Souza -Competência Informacional em saúde para idosos: um palhaço pode contribuir?Rio de Janeiro: Dissertação de Mestrado. Fundação Oswaldo Cruz – Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica, Pós-Graduação em Informação, Comunicação e Saúde, 2012. Disponível em pdf nowww.circonteudo.com.br– Biblioteca Virtual – Trabalhos Acadêmicos.
2.O Coletivo Experimentalismo Brabo tem o objetivo de realizar intervenções artísticas e culturais que permitam a reflexão sobre a cultura da paz, a solidariedade, o afeto e o cooperativismo. Já no ar http://ebrabo.wordpress.com. Informações na páginawww.facebook.com/ebrabo.

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