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A musicalidade na arte de palhaços (pdf)

Resumo: O presente artigo discorre acerca da utilização e domínio da música enquanto ferramenta usual na arte de clowns e palhaços. São abordadas algumas considerações a respeito de características musicais de clowns em autores estrangeiros e alguns aspectos históricos relacionados ao uso da música por artistas cênicos e cômicos. Será abordado o surgimento de diferentes tipos de clowns, como o clown musical, bem como algumas particularidades brasileiras verificadas na existência dos palhaços cantores no final do século XIX e em exemplos de artistas do século XX e da atualidade.

Palavras-chave: ClownClowns Musicais – Palhaços – Excêntricos musicais – Palhaços cantores – Circo – Teatro – Música.

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Celso Amâncio de Melo Filho (1)

Durante um dos ensaios gerais do espetáculo Água, do companhia teatral Clã – Estúdio das Artes Cômicas (2), com direção de Cida Almeida, fomos observados por um grupo que realizava filmagens como prática de um dos cursos (3) da Oficina Cultural Amácio Mazzaropi, no bairro do Brás, em São Paulo. Ensaiávamos neste centro cultural e o grupo realizava filmagens de trechos de nossas atividades que ocupavam o pátio central do prédio. Faz parte das pesquisas do Clã o treinamento da máscara do clown, ou palhaço, sendo o Água um espetáculo no qual todos os atores interpretam palhaços. Como um destes, faço uso do violino na peça. Em um dos momentos de pausa, uma moça do grupo veio conversar comigo e se mostrou bastante surpresa por ver um palhaço tocando violino.

Talvez para a maioria do público brasileiro atual pode parecer incongruente que um palhaço execute um instrumento musical, em particular o violino, talvez por estar comumente associado aos músicos de orquestras sinfônicas e um ambiente considerado muito diverso daquela que é associado ao palhaço, ou seja, o circo. Ou ainda porque há uma noção de que o músico que o toca precisa ter aprendizado e habilidades especiais que não fazem parte do trabalho de um palhaço. Porém, o domínio da música foi, e ainda continua fazendo parte do conjunto de saberes e práticas que compõe o arsenal técnico dos artistas circenses em geral, em particular dos que são clowns, além de outros tipos de artistas que possuem na versatilidade e na multiplicidade de técnicas seu diferencial. As designações Clown e palhaço, neste trabalho, serão tratados como sinônimos, referindo-se sempre ao mesmo tipo, seja ao tratar da máscara em sua perspectiva histórica ou ao citar os artistas do circo brasileiro.

A arte dos clowns e outros tipos de personagens e máscaras cômicas sempre foi intrinsecamente ligada à música, assim como à interpretação teatral e outras habilidades que hoje são denominadas como circenses. A existência de artistas que trabalham com múltiplas técnicas em espetáculos de variedade pode ser verificada desde a Grécia antiga e do Império Romano, em artistas que eram chamados de mimos. O pesquisador Robson Corrêa de Camargo, ao discutir a importância de estudar o teatro além de seu texto escrito ou falado, cita as capacidades do mimo romano, numa descrição que inevitavelmente nos remete ao espetáculo de circo:

As companhias de mimo romano apresentavam uma variedade infindável de números, conforme a disponibilidade e capacidade de seus atores: trapézio, equilibristas, cuspidores de fogo, engolidores de espada, ilusionistas, animais treinados; algumas vezes participavam nas peças atores com pernas de pau, canto e outros números que pudessem atrair a plateia. (CAMARGO, 2006, p. 2).

Essas características dos mimos da antiguidade sobreviveram no trabalho de numerosos grupos de artistas que continuaram a realizar apresentações misturando técnicas variadas por toda a Idade Média e posteriormente. Apresentavam-se a um público vasto, sem necessariamente se restringirem a um único setor da sociedade, já que atuavam em locais tão diversos como feiras, praças, palcos improvisados sobre bancadas de madeira (daí a origem do termo saltimbanco), teatros, cortes e, a partir de fins do século XVIII, também em circos.

Por influência deste tipo de artistas, o palhaço circense tem em sua constituição uma variada gama de personagens cômicos que engloba máscaras da commedia dell’arte italiana com seus arlequins, zannis e pulcinellas, seus equivalentes franceses como o pierrot, e o clown inglês cujas raízes remetem à Idade Média. Os atores que interpretavam estas figuras cômicas, independente de representarem personagens rústicos, idiotas, torpes, espertalhões ou ridículos, tinham a música como parte de um conjunto de saberes e práticas usuais. Entre esses entremeios, a música não cumpre exclusivamente sua função musical por si, mas se torna elemento cênico e cômico. A comicidade musical passa a ser então o cruzamento de técnicas dos atores com as características representativas que cada máscara, ou personagem, impõe.

No final do século XVIII, iniciou-se constituição de um espetáculo que uniu os opostos básicos da teatralidade, o cômico e o dramático; associou a representação teatral, dança, música, bonecos, magia, a pantomima e o palhaço com as acrobacias de solo e aéreo com ou sem aparelhos, o equilíbrio, as provas equestres e o adestramento de animais em um mesmo espaço. (ABREU e SILVA, 2009, p. 47).

Este tipo de espetáculo que ficou denominado como “Circo”, desenvolvido inicialmente na Inglaterra e França, rapidamente abarcou os artistas tão versáteis daquele período, criando novas formas de organização de seu trabalho. Os clowns, personagens cômicas do teatro inglês que rapidamente se incorporaram aos circos, sempre se adaptaram às necessidades destes. O contato com as diversas modalidades artísticas dos saltimbancos provocou também a “adoção do mesmo procedimento para com as demais habilidades. Assim, criaram-se clowns saltadores, acrobatas, músicos (…) etc.” (BOLOGNESI, 2003, p. 65).

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Artigo publicado na: Jornada de Pesquisa 2011. Programa de Pós Graduação em Artes – Mestrado e Doutorado Instituto de Artes UNESP. Comissão Organizadora Jornada 2011: Ana Araújo, Carlos Ataide Ferreira, Celso Amâncio de Melo Filho, Daniela Santos de Farias, Denise Pereira Rachel, Flávia Brassarola Borsani, Flávio Abuhab, Gabriela Caetano D’Amoreira, Juliana Ferreira Bernardo, Lilia Nemes Bastos, Milene Valentir Ugliara, organizadores. São Paulo: Instituto de Artes da UNESP, 2012. 

A Jornada de Pesquisa é um evento artístico-científico organizado pelos alunos do Programa de Pós-Graduação do Instituto de Artes da Unesp com o intuito de fomentar a divulgação e o debate acerca das pesquisas desenvolvidas pelos pós-graduandos da Unesp e por outros pesquisadores. A partir de 2011, a Jornada de Pesquisa amplia suas ações ao criar uma publicação eletrônica vinculada ao evento. Nesta primeira edição, foram selecionados artigos das áreas de Artes Cênicas, Artes Visuais e Arte Educação. [texto completo]


(1) Bacharel em música pela Universidade Federal de Uberlândia e mestrando em artes cênicas pela Universidade Estadual Paulista, sob orientação do Prof. Dr. Mario Fernando Bolognesi. Contato: celsoamancio@gmail.com
(2) Clã – Estúdio das Artes Cômicas, núcleo da cooperativa paulista de teatro, fundado em 2001 com uma metodologia fundamentada pelo estudo da pedagogia das máscaras de Jacques Lecoq, bem como uma pesquisa voltada ao intérprete cômico popular brasileiro, valendo-se do circo e da máscara do palhaço entre seus estudos e práticas. O grupo é dirigido por Cida Almeida, atriz e diretora formada pela Escola Arte Dramática ECA-USP que, desde 1987, ministra cursos e dirige espetáculos com base na referida pedagogia. O ensaio citado foi realizado no dia 29 de outubro de 2011.
[3] Núcleo Audiovisual “Oficina Cultural Amácio Mazzaropi e seu entorno – Lugar de memória, lugar de criação”. Oficina de documentário coordenada por Angelo Szamszoryk.

 


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