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Pelo bom senso, regulamentação e respeito aos artistas.

Reapresento uma reflexão que fiz há alguns anos sobre o tema animais nos circos, e aqui procuro fazer uma pequena introdução deste tema complexo, mas que vem sendo tratado de uma forma muito simplificada e equivocada.

Reapresento, abaixo, uma reflexão que fiz há alguns anos sobre o tema animais nos circos, e aqui procuro fazer uma pequena introdução deste tema complexo, mas que vem sendo tratado de uma forma muito simplificada e equivocada. Por isso, retomo esse material. O texto tem que ser lido como um produto de uma época, até porque hoje, abril de 2006, temos aprovado um Projeto de Lei 397/03, na Comissão de Educação do Senado que, entre outras coisas, procura fazer e responder a uma velha proposta dos próprios circenses: a regulamentação e fiscalização dos animais em circo, mas não a sua extinção. Essa lei ainda vai ter que cumprir os trâmites do legislativo para ser ou não aprovada.

Lembro que escrevi o texto que reapresento, no ano de 2000, logo após a tragédia ocorrida no circo Vostok, em Pernambuco, com a morte de um garoto de 6 anos. O que me motivou escrever foi a virulência com que as mídias escrita, radiofônica e televisiva atacaram sistematicamente os circos. Não houve um momento de folga para pararem e analisarem o que todo aquele arsenal furioso poderia estar causando aos homens, mulheres e crianças circenses que, junto com os animais, viviam da bilheteria desde o final do século XVIII. Mesmo os circenses de circos itinerantes, grupos e artistas e escolas, que não eram a favor de animais em circo, mas que lutavam por uma legislação que os regulamentasse, não tinham canal possível de levantar essa questão, pois, de repente o mundo foi dividido entre os a favor e os contra. Alguns personagens ligados à mídia televisiva, como duas apresentadoras de TV e o Ratinho, fizeram uma campanha dizendo para as pessoas não irem aos circos com animais, fossem eles leões ou cachorrinhos. Muitos circos de médio e grande porte fecharam, alguns faliram e os pequenos; bem, com os pequenos, quem se importa.

Outros personagens ligados à televisão e também empresários circenses, de uma forma “bem oportuna” levantaram a bandeira: circo legal é sem animal. Foi então que o cerco se fechou em torno do circo e circenses. Se em alguns municípios já havia a proibição, a partir daí todos se sentiram “autorizados” em impedir os circos de entrarem nas cidades. Gerações inteiras de famílias-artistas circenses, que tiveram e tem um valor inestimável na produção cultural brasileira, viram-se sem trabalho, sem o seu circo, banidos e desrespeitados. Mas, esse dado histórico não é importante, o importante era ter Ibope alto, como foi o caso do programa de uma das apresentadoras, e se manter entre os “bonzinhos”. Na época, eu gostaria que todos eles fossem de fato bem fundo em suas campanhas em defesa dos animais, como muitos de nós somos. Sou contra rodeios, contra o modo como se adestram pitbulls e rottweillers. Contra vários zoológicos ou bosques, espalhados pelo Brasil, nos quais os animais passam fome e ficam em espaços mínimos. Entretanto, nenhum desses casos foi mencionado nas críticas destas pessoas.

Independente de ser contra ou a favor de animais em circo, o importante é frisar que nenhuma discussão séria foi realizada com os circenses. Perguntado a vereadores e deputados que elaboraram leis proibindo a entrada de circos com animais nas cidades, que diálogos tiveram com os circenses, muitos respondem que estes artistas são muito radicais; e, por isso, dizem que deram preferência de escuta às falas de certas ONGs, que fazem a crítica do uso de animais em circos – e, diga-se, muitas delas de modo bem radical e nem sempre com provas consistentes (por exemplo, veja artigo de Nathália Rosa, na área de entrada – Debates, deste site). Além do fato dos circenses não terem sido ouvidos, uma questão era e é crucial diante da aprovação de leis de proibição: o que fazer com esses animais?

Tragédia para todos

Erminia Silva

Em 09 de abril de 2.000 uma tragédia ocorreu em Pernambuco. Um garoto de 6 anos de idade foi morto no circo Vostok por leões que estavam dentro da jaula armada no picadeiro. Não há palavra melhor para definir o que aconteceu: tragédia para a família, tragédia para os circenses, tragédia para José Miguel dos Santos Fonseca Jr., que se foi tendo vivido apenas seis anos.

Quando acidentes como estes ocorrem, os jornais lembram que não é a primeira vez que incidentes com animais acontecem. Em reportagem de 10.04.200, na Folha de São Paulo, no dia seguinte, fomos informados que em 1998, uma pantera havia atacado um menino de 10 anos em um estúdio de TV em Porto Alegre, que teve seu corpo todo arranhado. Em 1997 um touro pulou a cerca da arena em Ribeirão Preto, durante um rodeio, ferindo sete pessoas. E, no próprio Vostok, em 1996 uma ursa fugiu na zona leste de São Paulo. Se formos puxar pela memória, vários outros acidentes envolvendo animais serão lembrados, não só no Brasil, como em outros países. Não só em circos, como nos zoológicos, rodeios, simbas-Safáris, etc.

Contudo, quando estes ocorrem nos circos, uma avalanche de questões importantes é levantada, como por exemplo, a da responsabilidade da segurança das instalações do circo. Em reportagem do dia 11.04.2000, no mesmo jornal, observou-se que, de fato, não havia um consenso sobre quem fiscaliza o circo. Para representante do Ibama, a responsabilidade sobre a segurança é da prefeitura, dos bombeiros e do CREA (Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura). Ao Ibama cabe verificar as condições dos animais silvestres, licenciamento e condições de vida. Como a maioria dos circos não possui animais da fauna brasileira, este órgão só intervém quando é noticiado por maus tratos. Os bombeiros afirmam que também não são responsáveis, sendo que a corporação só verifica a segurança contra incêndios e o plano de evacuação do ambiente. Quanto ao CREA, seu representante responde com ironia à acusação: “Circo não pratica atividade de engenharia, arquitetura ou agronomia”.

Como fica esta questão frente a esta confusa relação com as entidades públicas, responsáveis pela fiscalização? E os circenses, qual a opinião deles a respeito disso? Também entre eles as opiniões divergem muito. Por outro lado, temos que ser corajosos de não negar que se passou pela cabeça de todos, questionar a administração do circo pelo que se poderia apontar como insegurança e descuido. É preciso enfrentar que a questão da segurança do circo é, em última instância, de total responsabilidade de seus administradores. Para a maioria da população a responsabilidade pelo que aconteceu é do circo.

Apenas uma destas opiniões, a do fundador do Simba Safári, Francisco Galvão, diz que o acidente foi provocado por uma “falha” de segurança, porque a criança chegou perto demais da jaula. Além de que as grades não poderiam ter cedido, como é o caso das grades das jaulas no Simba, que não cedem nem têm espaço para uma pata de leão passar. Das várias opiniões nas reportagens dos jornais sobre o fato, alguns poucos circenses se colocaram contrários à presença de animais em circos, alegando: ou que circo não precisa disto para chamar o público, ou que de fato representa insegurança ou que não concordam com as condições em que vivem os animais, indo de encontro com a posição da Sociedade Protetora dos Animais.

Este debate em torno de circo e animais, não é algo exclusivo no Brasil, como querem algumas ONGs, alegando que no exterior isto é diferente. Uma leitora do jornal escreveu em 11.04.2000 que: “usar animais selvagens para entreter crianças é coisa dos tempos medievais? Vá ver se os melhores circos do mundo, como o Cirque du Soleil, do Canadá, têm animais. Não têm nem vão ter.” Em qualquer país onde haja circo, há aqueles que têm animais e os que não têm, independente se este for do primeiro ou do último mundo.

Há que se respeitar a opinião das pessoas em não se ter animais em circo. Como por exemplo, a de Jorge Luiz Medeiros, da Sociedade União Internacional Protetora dos Animais (SUIPA), que ao defender o seu ponto de vista, ou da Sociedade, descreve o treinamento dos animais como algo dantesco e mutilador, além de denunciar os maus tratos sofridos pelos animais em vários circos. Não se pode ter dúvidas quanto a necessidade de se ter órgãos fiscalizadores de qualquer irregularidades, inclusive como cidadãos temos a responsabilidade de fiscalizar e denunciar maus tratos. E, é preciso declarar os excelentes serviços que as Sociedades Protetoras dos Animais têm prestado em todo o mundo.

Há, contudo, um debate conflituoso entre os representantes das Sociedades, uma parte da população, que não vê nada de bom – péssimas condições físicas, maus tratos no treinamento, etc. – em se manter animal em circo; e alguns circenses que alegam como Marlon Stankowich, que o carinho, a dedicação e a paciência garantem o bom treinamento, sendo necessário gostar dos animais e respeitá-los para se fazer esse trabalho. Ou o veterinário José Daniel Fedello, do Zoológico de São Paulo que afirma que há circos que cuidam bem dos animais, alguns até se reproduzem no circo. Até onde são verdadeiras ou não as afirmações, como o do representante da Sociedade, que fala que o treinamento de ursos ou elefantes para dançarem são feitos com o animal colocado sobre uma chapa de metal quente, ao som de música? Depois de repetir o treinamento várias vezes, o animal se movimenta sempre que ouve a música, segundo ele. Até que ponto isso é real? Há comprovação sobre tudo isso?

O que ocorre é que, quando acontece uma tragédia, várias questões importantes que dizem respeito às grandes dificuldades que os circos passam, para sobreviver no Brasil, ficam totalmente em último plano, quando aparecem. Por exemplo, as altas taxas pagas pelos circos, a dificuldade de terrenos e o encarecimento de seus aluguéis, etc.

Trata-se de um tema muito complexo e de difícil discussão, não se pretende, neste momento, querer chegar a uma conclusão definitiva. Contudo, este tema de tempos em tempos está sendo recolocado e, infelizmente, sempre depois que acontece uma tragédia. Por isso, apesar das dificuldades, dos conflitos que geram entre os próprios circenses, esta questão deveria ser constantemente debatida entre os donos de circos, os circenses e a sociedade como um todo.

Os poucos circos que estão conseguindo sobreviver no Brasil, sofreram uma forte retaliação por causa desta fatalidade. Alguns foram embargados, outros suspenderam os espetáculos por falta de público, pela propaganda negativa feita pela própria televisão. Como no programa do Ratinho, que teve uma reação de indignação, o que é normal, mas também adotou uma campanha “feroz” contra os circos, provocando graves conseqüências morais e financeiras para os circenses. É de se perguntar: que direito tem um programa de TV de difamar e tentar destruir um importante meio de entretenimento, que teve e tem um papel importante na produção cultural brasileira? Inclusive com argumentos muito emocionais e não necessariamente consistentes.

Esses programas deveriam dar, também, espaço de denúncia e de discussão sobre os milhares de trabalhadores que morrem anualmente por acidente de trabalho, e que são pouco divulgados ou debatidos. Todos têm que ser fiscalizados, mas para essa mídia sensacionalista é mais fácil dizer às pessoas não irem ao circo, do que defenderem de fato uma legislação competente sobre a proteção e segurança no trabalho, inclusive para os animais, em geral, em vez de acabarem com o trabalho do circense.

Não quero minimizar a tragédia ocorrida, mas não se pode interpretá-la como criminosa, como fizeram alguns.

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