Artigos

Os caminhos do palhaço

História e histórias

Desde sempre, e através dos tempos, inúmeras pessoas se dedicaram à arte de nos fazer rir. Mas o que é o palhaço? Esse ser mutante, que foi-se adaptando às transformações do nosso mundo, sempre teve um papel muito importante na sociedade mas… por que motivo ele é tão necessário?

Talvez porque ele, de sua maneira, nos ajude a conhecer melhor o nosso mundo e a nós mesmos, porque através de suas piadas nos reequilibramos com o mundo que nos cerca, com nossos sentimentos, com nossos problemas; por exemplo, se você tem medo de algo, e se puder rir disso, esse temor se diluirá, se tornará mais fácil encarar um problema.

O palhaço se apresenta sempre com um problema. Tudo o que ele faz, dá errado, mas ele nunca se desespera e nem se dá por vencido. Seus problemas são versões caricaturais dos problemas que enfrentamos em nosso cotidiano, na vida real. O palhaço supera esses problemas para que nós percebamos que também podemos superá-los.

E o palhaço é o anti-herói mais amado por todos, crianças e adultos, mesmo sendo um ser marginal, nada elegante, podendo ser esnobe, vaidoso, ambicioso, egoísta, covarde, desastroso e tonto.

Mas é assim mesmo, mostrando nossos defeitos e erros, que ele nos faz rir, talvez para que não levemos a vida tão a sério.

Oriente

Os palhaços são conhecidos a aproximadamente quatro mil anos, apesar de que, provavelmente, os primeiro palhaço deva ter sido um troglodita gritando de dor, ou contando para os companheiros alguma caçada desastrosa da qual ele participou. Mas foi nas cortes dos imperadores chineses que os palhaços adquiriram papel importante, podendo inclusive fazer com que o imperador muda-se de idéia em suas decisões. Existem muitas histórias de palhaços que conseguiram contribuir para um melhor destino do povo. Por mais de mil anos, em várias partes do Oriente (como Malásia, Burma e o Sudeste da Ásia) os palhaços apareciam em teatros, mesmo em representações religiosas; eram conhecidos como “Lubyet” (homens frívolos), e atuavam como desastrosos assistentes dos personagens príncipes e princesas.

Na Malásia se chamavam “P’rang” e usavam horrendas máscaras de bochechas e sobrancelhas enormes, cores carregadas e um grande turbante, criando uma figura pavorosa.

Alguns dos melhores palhaços asiáticos vem de Bali; os personagens mais populares e que ainda se pode ver são os irmãos Penasar e Kartala. O primeiro aparece sempre preocupado e angustiado, e nunca deixa de comportar-se bem; o segundo não faz nada do jeito certo, senão tudo ao contrário.

Grécia e Roma

Na antiga Grécia, há mais de 2.000 anos, os palhaços faziam parte das comédias teatrais. Após a apresentação de tragédias sérias, eles davam sua própria versão do fato, onde os heróis apareciam como idiotas. Seu alvo preferida era Hércules, mostrando que suas façanhas aconteciam mais pelo acaso do que intencionalmente.

Também na antiga Roma existiam diversas classes de palhaços; dois deles eram Cicirro, que se caracterizava com uma máscara de cabeça de galo e cacarejava movendo os braços como asas, e Estúpido, com gorro pontiagudo e roupa de retalhos. Os outros atores aparentavam estar enojados e batiam nos dois palhaços causando ainda mais riso entre o público.

É na Roma que combatia os cristãos que surge Filemão. Conta a “lenda” que foi ditada uma lei pela qual todos deveriam fazer sacrifícios aos deuses romanos ou seriam executados. Sendo que os cristãos não acreditavam nesses deuses, um deles contratou Filemão para fazer o sacrifício em seu nome; Filemão achou que isso seria uma “boa piada” e se prontificou ao serviço mas, no momento do sacrifício, exclamou: “não posso fazer esse sacrifício, sou cristão!”. Quando as pessoas viram que quem dissera isso fora Filemão começaram a rir, mas este foi levado à presença do imperador, que lhe rogou mudasse de idéia, mas Filemão se negou e, mesmo ante a dor de toda a cidade, foi executado. Assim, Filemão morreu por sua fé e esse valente palhaço é hoje São Filemão.

Idade Média

Já no início da idade média, com os teatros fechados, artistas perambulavam por toda parte para atuar onde pudessem, para sobreviver, participando de feiras em várias regiões. Na Alemanha e na Escandinávia eram conhecidos como “gleemen”, e na França, “jongleurs”. Contavam contos, cantavam baladas, eram músicos, malabaristas, acrobatas e toda sorte de artistas. Em épocas mais festivas, grupos de mímicos apresentavam danças e comédias nessas feiras. Nesses grupos , depois dos bailarinos, os personagens mais importantes eram os palhaços, que levavam uma bola atada por um barbante, com o qual iam batendo nos espectadores, a fim de abrir espaço para a atuação dos mímicos. Com frequência levava uma vassoura para varrer as pessoas do local gritando: “Espaço! Espaço! Preciso de espaço para recitar minhas trovas!”. As palhaçadas eram, nessa época, mais importantes do que a própria história que se apresentava.

Em determinada época da idade média, apareceu a figura do bufão, ou “bobo da corte”; alguns eram realmente “bobos” mas a maioria eram palhaços inteligentes que se faziam de estúpidos para alegrar às pessoas.

Na Alemanha eram chamados de “alegres conselheiros” pois em suas agudas observações incluíam bons conselhos.

Ainda durante a idade média os palhaços atuaram nos teatros pouco a pouco “reabertos”, principalmente em comédias religiosas, representando o “diabo”, os “vícios”, a estupidez e o mal. Muitas vezes o narrador era um palhaço que mantinha a platéia entretida, atenta, e explicava melhor a história. Cada vez mais o papel do palhaço foi se tornando mais importante, ressaltando os contrastes, até que, William Shakespeare mostrou que o palhaço podia não só fazer rir como fazer chorar, e tornar ainda mais dramáticas as cenas trágicas de uma obra, até que os palhaços passaram a ser tão importantes quanto os atores sérios de grandes clássicos do teatro.

Commedia del’Arte

No século XVI, na Itália, surge a “Comédia de Arte”, com companhias e personagens que se tornaram muito populares.

Como os atores tinham apenas uma idéia geral da história a ser representada, um roteiro (canovaccio), eles mesmos inventavam o diálogo e ações que estivessem acordes com seus personagens. Alguns desses personagens eram os favoritos do público e apareciam em todas as obras. Cada um vinha de uma região diferente da Itália e tinham características marcantes que os tornavam facilmente reconhecíveis. É o caso do Arlequim, com sua roupa de retalhos, o Pantaleão, veneziano, e de vermelho, Briguela, de branco e verde, Polichinelo, de branco e gorro pontiagudo, o Doutor, de negro e o Capitão, com sotaque espanhol e roupas militares. Esses personagens tinham características muito definidas e seus papéis eram quase sempre os mesmos e se tornaram tão famosos que os atores eram mais conhecidos pelos personagens que interpretavam do que por seus próprios nomes.

Da Itália a Commedia del’Arte se estendeu por toda a Europa, adaptando-se a cada país, como na Inglaterra, onde, por exemplo, Pulcinella se tornou Mister Punch, personagem conhecido até os dias atuais, ou o Pierrot, transformado em “clown”, sendo que o mais famoso foi Grimaldi, nascido em 1778.

Os primeiros circos

O circo moderno parece ter surgido a partir de 1766, quando um jovem sargento, chamado Philip Astley, deixou o exército e começou a fazer demonstrações de equilíbrio com cavalos. Pouco a pouco foi dando uma forma mais “espetacular” aos primeiros shows. Primeiro, nota que cavalgando em círculos o equilíbrio era mais fácil (surge o picadeiro), logo, busca nos artistas mambembes atrações mais divertidas para mesclar com as exibições de equitação. Um dos palhaços mais importantes nessa época foi “Mr. Merryman”, que atuava a cavalo.

Com o tempo mais atrações foram sendo incluídas, surge o palhaço “branco”, ou “clown”, vestido ricamente com lantejoulas e gorro pontiagudo, cara branca e pouca maquiagem, e o “augusto”, tonto, desajeitado e extravagante, o “toni” e o “excêntrico”, colaborando para que a gargalhada corresse solta.

Cada momento da história do circo e dos palhaços, antiga ou moderno, está envolta em lendas e meias-verdades, como o surgimento do palhaço “augusto”. Dizem que um dos acrobatas de um circo em Berlim, chamado Tom Belling, foi suspenso do espetáculo durante um mês por problemas de comportamento. O pobre sentia falta da algazarra do circo e, com uma velha peruca e um grande casaco, se disfarçou e entrou no circo. O dono do circo o reconheceu e lhe deu umas palmadas nas costas, rindo. Mas Tom se assustou, saiu correndo sem notar que ia em direção ao picadeiro, tropeçou com tanto disfarce e acabou caindo. O público, pensando que isso era parte do espetáculo, começou a rir daquele homem estranho e desajeitado e gritava “augusto!, augusto!”, um apelido alemão para pessoas torpes. O público se divertiu tanto que Tom repetiu sua entrada durante anos, todas as noites, surgindo daí essa classe de palhaço, o augusto.

Vários números de palhaços, conhecidos como “entradas”, se tornaram clássicos, como “O Espelho Quebrado”, “Hamlet”, “A Água”, “A Estátua”, “O Barbeiro de Sevilha”, e ainda podem ser vistos hoje em dia em grandes circos.

O palhaço era, até pouco tempo, o principal personagem de um circo, sendo uma honra ocupar esse papel. Geralmente os palhaços são habilidosos em alguma arte, muitos são grandes acrobatas, músicos, malabaristas, domadores, bailarinos, piadistas ou cantores.

Hoje em dia os palhaços ocupam espaço não só nos circos, estão presentes nas ruas, nos teatros, na televisão, no cinema, nos hospitais e em vários e infinitos espaços e, se um dia, descobrirmos vida em outros planetas, descobriremos, também, novas formas de fazer rir, pois, em todos os mundos, existe o Mundo do Nariz Vermelho.

Related posts

Histórias do aqui e agora: cabaré e teatralidade circense

Silva

O palhaço tradicionalista um olhar sobre a experiência de um palhaço o interior de Minas Gerais (pdf)

Silva

Jesus Cristo e o Centurião

circon

Leave a Comment