Trovador da malandragem

Neves, Eduardo das – Trovador da malandragem. Rio de Janeiro: Bibliotheca da Livraria Quaresma Editora, 1926.

Fonte disponível on line neste site: Circo-teatro: Benjamim de Oliveira e a teatralidade circense no Brasil – pp. 199-202

“Vários desses “seletos autores brasileiros” cantados pelos circenses na cidade de São Paulo moravam no Rio de Janeiro. Desde o final do século XIX e início do XX, tais autores tiveram participação efetiva nos espetáculos, principalmente nos circos que se apresentavam na capital carioca, contribuindo como autores e/ou atores de peças teatrais ou apresentando-se como palhaços-cantores, mas raramente viajavam com as companhias. Apenas um deles, Eduardo das Neves, durante um bom período de sua vida, tornou-se não só artista circense como também proprietário de circo. Diferentemente de Benjamim de Oliveira, que sempre se definia como um circense, Eduardo considerava esse período apenas uma das fases de sua vida. E, o mais importante, foi, provavelmente, o único daqueles autores e cantores que, do final do século XIX até 1905, saiu do Rio de Janeiro divulgando sua produção com um circo pelo Brasil, cruzando com Benjamim em São Paulo.
Da década de 1890 até a de 1910, Eduardo das Neves talvez tenha sido um dos artistas mais populares. Nascido no Rio de Janeiro em 1874, dos 18 aos 20 anos, conforme informa a maior parte das suas biografias, empregou-se como guarda-freios da Estrada de Ferro Central do Brasil, logo demitido por participar de uma greve. Depois disso, ingressou como soldado no Corpo de Bombeiros, de onde foi expulso por “negligência” e por frequentar fardado as 199 rodas de boêmios e chorões. Sempre presente, no Rio de Janeiro, nas rodas de batuques, cafés-concerto, cabarés, no teatro do Passeio Público, entre outros, Eduardo, após diversos “insucessos” profissionais, incorporou-se a um circo e começou a viajar com ele, passando a ser conhecido como Palhaço Negro, Diamante Negro, Dudu das Neves ou Crioulo Dudu. Em 1900, no bairro do Engenho Novo, compôs uma canção de título O crioulo, com intenção autobiográfica, na qual dizia da sua relação com o violão e a música desde “molecote”, de seus empregos, greves, boêmias e demissões (…)

(…) Em 1897, estava no Rio de Janeiro trabalhando no Circo-Pavilhão Internacional, já sendo anunciado como Dudu das Neves, “o primeiro palhaço brasileiro” a apresentar “canções e lundus, acompanhado com seu choroso violão”. José Ramos Tinhorão levanta a hipótese de que, entre 1899 a 1902, Eduardo das Neves também estivesse vinculado a uma companhia circense, pois em diversas letras, publicadas pela Editora Quaresma, ele fez constar quando e onde elas teriam sido escritas, demonstrando tal diversidade de lugares, que, provavelmente, só seria possível ter percorrido se estivesse engajado em um circo: Bahia, Alagoas, Pernambuco, Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro.
Na cidade do Rio de Janeiro, naqueles anos, ele se apresentava tanto nos picadeiros circenses quanto nos palcos dos cafés-concerto, que estavam no auge do sucesso de público e cuja programação de variedades assemelhava-se à dos circos, principalmente as casas pertencentes ao empresário Paschoal Segreto. A maioria dos cafés-concerto e music halls cariocas tinha como proposta de trabalho oferecer um conjunto variado de espetáculos, que misturavam representações teatrais, cenas cômicas, musicais nacionais, muitos artistas estrangeiros executando acrobacias, ginásticas e clowns excêntricos.

(…)

Em meados de 1902, Eduardo das Neves se apresentava em duas casas de espetáculo do citado empresário, no Concerto Maison Moderne e no Teatro Parque Fluminense, tanto nas matinées quanto nas soirées, nas quais era anunciado como cançonetista e não como palhaço, cantando dois de seus maiores sucessos daquele ano, as músicas “Santos Dumont”, em homenagem ao mesmo pelo seu feito em Paris em 1901, e “Augusto Severo”, um outro aeronauta, falecido naquele ano de 1902, em uma explosão do seu dirigível Pax, na capital francesa.
A programação do Parque Fluminense constava de acrobacias e ginásticas, exibição de lanterna mágica, fio aéreo, cavalinhos e apresentação da pantomima O esqueleto, sucesso nos palcos/picadeiros desde o início do século XIX, como já apontamos.
Entre 1902 e 1903, após a excursão realizada pelo Brasil e trazendo na bagagem uma grande quantidade de canções, publicou o Trovador da malandragem, em cuja capa constava tratar-se de uma nova coleção de “modinhas brasileiras, lundus, recitativos, monólogos, cançonetas, tremeliques e choros da Cidade Nova”. A partir desse período, Eduardo das Neves aparece nomeado como autor nas várias publicações feitas pela Livraria do Povo, de Quaresma, como O cantor de modinhas brasileiras. Conforme informação no catálogo da editora, na última página da publicação Mistérios do violão, tanto o Trovador da malandragem quanto O cantor de modinhas brasileiras custavam 1$000 réis, lembrando que o menor preço dos circos do período, relativo às gerais, também era de 1$000 réis.”

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Fonte: Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira

“Uma das figuras mais populares de artista do início do século e um dos pioneiros a gravar discos no Brasil. Acompanhando-se ao violão em suas gravações, Dudu fazia  vozes, sons, sendo o  precursor do humor na Música  Popular Brasileira. Entre 1894 e 1901, apresentou-se nos estados do Rio de Janeiro e Minas Gerais. Em seguida, apresentou-se pelo Nordeste do Brasil tendo percorrido ao estados da Bahia, Alagoas e Pernambuco. Em 1895, iniciou a carreira artística apresentando-se em circos e pavilhões no Rio de Janeiro. Atuou no Circo Pavilhão Internacional, no Parque Rio Branco e no Teatro-Circo François. Em 1900, a Livraria Quaresma publicou “O cantor de modinhas”, sua primeira coletânea de versos. Em 1902, a mesma editora lançou  o “Trovador da malandragem”. No mesmo ano, teve sua primeira composição gravada, a canção “Santos Dumont”, também conhecida como “A conquista do ar – A Europa curvou-se ante o Brasil”, registrada na Zon-O-Phono pelo cantor Bahiano. Essa canção foi regravada no mesmo ano pela Banda da Casa Edson, sendo depois regravada pelo cantor João Barros na Victor Record, e depois, no selo Brasil, como um dobrado, registrado pela Banda Carioca, provavelmente na mesma época. Foi o organizador da serenata em homenagem a Santos Dumont, realizada em 7 de setembro de 1903, um dos  eventos mais importantes dos primórdios da Música Popular Brasileira. Para a  ocasião convocou  grandes chorões dentre os quais Quincas Laranjeiras, Sátiro Bilhar, Irineu de Almeida, Mário Cavaquinho, Chico Borges, entre outros. Em 1905, a Livraria Quaresma publicou “Mistérios do violão”, em cujo prefácio o autor faz uma séria  e revoltada indagação  àqueles que duvidavam da autoria de suas obras: “Porque duvidais, isto é, não acreditais quando aparece qualquer choro, qualquer composição minha que cai no gosto do público e é decorada, repetida por toda a gente e em toda parte, desde nobres salões até pelas esquinas nas horas mortas da noite?”  Na temática de alguns  de seus  lundus  estão assuntos do cotidiano da cidade como, “O aumento das passagens”, “O bombardeio”, “O cinco de novembro (ou O marechal)”, ” A guerra de Canudos”, “Uma entrevista com Fregoli”,  mas, no contexto geral de suas obras, destacam-se a cançoneta  “Homenagem a Santos Dumont” (A Europa curvou-se  ante o Brasil), e  a versão  que fez  para a canção napolitana “Vieni sul mar”, que ele próprio gravou pela Casa Edson e que se tornou amplamente conhecida como “Ó Minas Gerais”, já que a música homenageava a nau capitânia da Marinha de Guerra do Brasil, batizada com o nome do estado brasileiro. Em 1907, gravou na Odeon, de sua autoria, os lundus “O soldado que perdeu a parada”, “E eu nada”, “Bolim-bolacho”, “Marocas”, “Iaiazinha” e “Pai João”. Em 1908, gravou a “Canção do marinheiro”, a modinha “Quando o meu peito” e os lundus “Pai João” e “Aurora”, de sua autoria. No mesmo ano, gravou com Isaura Lopes os duetos “O maxixe” e “A mulata e o crioulo”. Em 1909, gravou os lundus “Menina, teu pai não quer”, “O ano novo”, “Angélica” e “Babo-me todo”. No mesmo ano, gravou em dueto com Mário Pinheiro o lundo “O malandro” e o cômico “Os dois bêbados”. Em 1910, adaptou a opereta “A viúva alegre”, de Franz Lehar, transformando-a na “comédia crítica em dois atos” “A sentença da viúva alegre”, que estreou noTeatro Cinematográfico Santana. Em 1912, fez uma série de gravações, entre as quais, os lundus “Democráticos na ponta”, “Não me convém”, “Seu Barnabé” e “Lundu gostoso”, as canções “Ó Minas Gerais”, “Manhãs na roça” e “Pernambuco é minha terra”, todas de sua autoria e a modinha “Estela”, de Abdon Lira e Adelmar Tavares. No mesmo ano, gravou com Bahiano o lundu “Desafio em Braga” e com Bahiano e Risoleta o fado “Festas joaninas” e os lundus “Os caçadores” e “Triângulo mineiro”. Em 1913, gravou na Odeon as cançonetas “Namoro frustado” e “Um vago” e o lundu “Choro de Arrelia!”, as duas primeiras, provavelmente, e a última, comprovadamente, de sua autoria. No mesmo ano, gravou os lundus “Quem disse que dinheiro não é bom”, “O cara dura”, “A cabeça da mulher” e “O hervanário”, de sua autoria. Em 2000, sua gravação de “O Minas Gerais”, de 1912, foi incluída pelo crítico R. C. Albin na coletânea “As músicas mais fundamentais do século XX”, uma série de seis CDs, editados com o acervo da EMI-Odeon.” 

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