O circo de cavalinhos

Entra que tem história

Ao sair do reduto exclusivo aristocrático, o cavalo ficou mais disponível no mercado, com preços acessíveis, possibilitando que os grupos ambulantes os adquirissem e dessem origem, também, a hábeis cavaleiros e disputassem os mesmos espaços com os ex-cavaleiros militares, tornando-se comum a ambos o repertório de exercícios eqüestres e a rotina em particular dos artistas  que já estavam nas praças públicas, genericamente denominados de saltimbancos. As agilidades corporais no chão, no ar e em cima do cavalo, denominadas acrobacias eqüestres, eram realizadas ao som de fanfarras militares e paradas espetaculosas.

Por volta de 1760, em Londres, três entre as várias companhias que se formaram, mesclando os vários artistas da época e exibições eqüestres, são referências, em quase toda a historiografia européia, como as que deram origem ao que se denominará artes circenses: a de Price, a de Jacob Bates e a de Philip Astley, além de artistas equestres importantes como Andrew Ducrow.

Quando aqueles cavaleiros egressos da cavalaria real inglesa saem dos redutos aristocráticos para as exibições em praças públicas, eles cruzaram, trocaram, ensinaram e aprenderam com todos os artistas já presentes naqueles espaços.

Dos vários grupos, os pesquisadores dão destaque à companhia de Astley, que, após ter se desligado de seu regimento, em 1766, iniciou com alguns companheiros apresentações públicas a céu aberto, tal como os outros grupos semelhantes a ele. Em 1768, alugou um campo próximo de Westminster Bridge e, dois anos depois, mudou-se para outro terreno vago a poucos metros do anterior, onde construiu tribunas de madeira em frente a uma pista circular, ainda sem cobertura, que implantou para maior desenvoltura dos exercícios a cavalo.

Para grande parte da bibliografia que trata da história do circo, Astley é considerado o inventor da pista circular e criador de um novo espetáculo. A composição do espaço físico e arquitetônico, onde ocorriam as apresentações, era em torno de uma pista de terra cercada por proteção em madeira, na qual se elevavam em um ponto pequenas tribunas sobrepostas, semelhantes a camarotes, cobertas de madeira, como a maior parte das barracas de feira daquele período, acopladas a pequenos barracões. O resto do cercado era formado por arquibancadas ou galerias, bem próximas à pista. Entretanto, como temos visto até aqui, em nossa linha do tempo, espaços como esses eram encontrados na Europa desde o Império Romano. Ao construir esse espaço, Astley não fugiu de modelos arquitetônicos já construídos anteriormente e contemporâneo a ele, de modo semelhante aos lugares descritos aqui; especialmente lugares nos quais também se adestravam cavalos e/ou se ensinava equitação (Astley usava a pista para aulas, nos períodos da manhã, apresentando-se ao público à tarde); era semelhante, também, às construções de alguns teatros, nos quais o tablado era cercado por algum tipo de arquibancada de madeira, parecida com tribunas, sem pista para animal, mas com espaço para se assistir em pé.

Com relação ao espetáculo, entretanto, é que de fato Astley e seus contemporâneos teriam sido criadores e inovadores. Descrevendo especificamente as apresentações de Astley, no início, oferecia aos londrinos acrobacias eqüestres sobre dois ou três cavalos e os maneava com sabre. Quando começou a se apresentar no espaço cercado por tribunas de madeira, não realizava apenas jogos ou corridas a cavalo, como a maioria dos grupos do período. A uma equipe de cavaleiros acrobatas, ao som de um tambor que marcava o ritmo dos cavalos, associou dançarinos de corda (funâmbulos), saltadores, acrobatas, malabaristas, hércules e adestradores de animais. Entre os artistas que Astley incorporou ao espetáculo, apenas como exemplo, vale mencionar o destaque que Henry Thétard dá a uma companhia de dançarinos de cordas, acrobatas e saltadores – os Ferzi, que estava se apresentando no Sadler’s Wells. O autor menciona que foram encontrados programas datados desde 1775, que mostram todas as diversas modalidades artísticas mencionadas, que se tornaram características dos espetáculos de pista. Esta associação de artistas ambulantes das feiras e praças públicas aos grupos eqüestres de origem militar é considerada a base do “circo moderno”. Com as dificuldades de se apresentar a céu aberto, por causa das variações do tempo, em 1779, Astley construiu um anfiteatro permanente e coberto em madeira, o Astley Royal Amphitheater of Arts, que também comportava uma pista cercada por arquibancadas.


Fonte: Silva, Erminia – Circo-teatro: Benjamim de Oliveira e a teatralidade circense no Brasil. São Paulo: Editora Altana, 2007, pp. 34-45 

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