Na simplicidade, a mesma antiga magia! Saboreando um espetáculo circense… E um pouco da história e da resistência dos Bartolo

O chicote estala no picadeiro, com a perícia de Arthur; roupas impecáveis, as partners facilitam a demonstração de agilidade e precisão dos seus movimentos. Na platéia, olhos brilhantes, adultos e crianças se confundem no mesmo sentimento, misto de alegria e expectativa. É a arte circense que contagia.

Numa seqüência que faz o público se esquecer do tempo, da vida fora da lona, passam pelo picadeiro o palhaço Fofoca, o equilibrista e malabarista Emerson, o acrobata Eliceu, o adestrador com seus cachorrinhos amestrados. O espetáculo é apresentado pelo Circo Mágico Nacional, em São Roque – interior de São Paulo, com lona armada na avenida Brasil.

Sozinha na platéia, invadida por risos e presenças às quais não se volta minha atenção, tento dispensar o olhar de jornalista e pesquisadora, deixar de lado a crítica sobre a estrutura material e as condições impostas aos circenses, baixar a guarda e saborear o espetáculo, em toda a sua simplicidade e magia, deixando-me invadir pelo espírito do circo.

Cada cena vivida no picadeiro já é, por assim dizer, de domínio público. São números apresentados há mais de um século, que remetem aos circos de raiz, aos primórdios dos espetáculos circenses quando, sob a lona, feita apenas de tecido de algodão, eram encenadas também peças teatrais. São números que encantam seres humanos de qualquer idade, a despeito das inúmeras possibilidades de espetáculos disponíveis nos dias de hoje.

É magia a palavra mais significativa para explicar o sentimento de leve tensão e ansiedade que surge na platéia quando o acrobata está no alto, preso naquele longo tecido que vai da lona ao chão, prestes a se soltar de uma altura de doze metros.

É o mesmo sentimento mágico que faz crianças e adultos rirem das brincadeiras do Palhaço Banzé, inocentes brincadeiras por todos tão conhecidas que, no picadeiro, assumem sempre ar de novidade, renovam-se a cada interpretação de um novo palhaço e, assim, ultrapassam as barreiras do tempo.

MASCOTE

Numa mistura alquímica de admiração e ternura o público se aquieta quando a pônei Capitu invade o picadeiro. Com o sentimento ecológico latente, não posso fugir è mente racional e me perguntar se alguém na platéia observa a pequena mascote do circo, perguntando-se se é bem tratada. Mas logo me apercebo da delicadeza com que o adestrador maneja a correia que conduz o animal. E todos vibram quando a pônei salta e ensaia passos ao som de uma valsa.

O mesmo encanto percorre arquibancadas e cadeiras quando, devidamente ensaiados, os poudles amestrados tornam-se o centro das atenções sob as luzes no picadeiro.

Momentos antes do espetáculo, o Palhaço Banzé é o proprietário do Circo Mágico Nacional, Antônio Bartolo, preocupado com todos os detalhes e relações que uma equipe de circo deve manter em cada cidade para poder levar ao picadeiro o seu espetáculo.

Sua mulher, Lamara, de família circense e origem espanhola, recebeu o nome de uma personagem de peça teatral encenada no antigo circo-teatro. Ela, que já participou muito do espetáculo, é também dona-de-casa e tem seu papel, hoje, nos bastidores do circo.

Enquanto o público compra os ingressos e as crianças inquietas esperam na fila de entrada, o Palhaço Fofoca volta a ser Arhur, filho de Antônio Bartolo, e recebe os ingressos. As partners no número do chicote são, então, suas irmãs, Vera e Valéria, que vendem cachorro quente e pipocas.

A família encarna a tradição do circo. Os filhos do casal são quatro e desde pequenos, atuam no picadeiro. As atividades variam conforme e idade e o talento, mas a energia circense permeia, certamente, a aura de todos. O filho mais velho está no sul do país, acompanhando parte da família em outro circo. Apesar das muitas andanças e entre algumas tentativas de permanecer no sedentarismo das cidades, os filhos puderam estudar até o final do segundo grau. Mas, ao declarar sua profissão, são unânimes: CIRCENSE!

NA ARTE, UM OFÍCIO

É a família Bartolo em ação. O Circo Mágico Nacional tem suas origens no Circo Bartolo e Irmãos, criado há cem anos pelo italiano Felipe Bartolo que aprendeu o ofício na Itália, ainda criança. Ele veio para o Brasil em 1905, trabalhou para diversas companhias circenses, inclusive para o circo Nerino, de origem francesa, até montar, em 1914, com os irmãos, seu próprio circo, Circo Irmãos Bartolo, um circo-teatro que percorreu todo o país. Nele cresceram seus filhos, que aprenderam a mesma arte-profissão.

Mais tarde, o filho José Bartolo comprou o circo alemão Berlim, cujos proprietários tiveram de deixar o Brasil em 1932, em vista da Revolução.

O Gran Bartolo’s Circo, como era chamado, tinha estrutura de grande circo, com dezenas de integrantes, domadores apresentando de leões a elefantes. Com a morte de José Bartolo, os sete filhos, todos circenses, resolveram vender o Gran Bartolo’s Circo, e este se tornou o primeiro circo de Beto Carrero.

Dez anos se passaram até que Antônio Bartolo, um dos filhos de José Bartolo resolvesse retornar ao picadeiro, após ter participado da Escola-Circo da cidade de Uberaba, pois “quem nasce no circo não agüenta por muito tempo viver com as raízes fincadas num só chão”. O espetáculo chama, a aventura e a liberdade de estar ora aqui ora ali, recebendo aplausos em todos os cantos do país, falam mais alto.

E assim nasceu o Circo Mágico Nacional que transporta, itinerante, a arte e a cultura na quarta geração de uma família circense. Composta de cinco pessoas, a família hoje agrega um genro e seu irmão e conta com a participação de mais treze pessoas em seu trabalho circense. Sem dúvida, esse circo é também o símbolo da resistência de uma manifestação cultural secular que mantém viva essa importante tradição.
Como afirma Antônio Bartolo, “nas veias de todo o circense, corre a serragem do picadeiro”. Não trocam sua vida por nenhuma outra e sua arte é seu ofício.

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