Artigos

Balaio visita a Trupe Circo-Teatro Guaraciaba (pdf)

No sábado, dia 14/05/2011, o Grupo doBalaio pegou estrada rumo à cidade de Porto Feliz para acompanhar o espetáculo Cara Suja, da Trupe Circo-Teatro Guaraciaba. Foi com muita emoção que estacionamos o Uno Mille, alugado especialmente para a viajem, em frente ao espaço Estação das Artes, um simpático teatro no centro da cidade.

A chegança

“Cheguemos” às 16h30, recebidos por Dona Iracema, Guaraciaba, Paulo (morador e ator de Porto Feliz) e demais integrantes da trupe. Ainda encerravam as atividades da primeira parte do dia, um seminário acalorado graças ao Paulo. Nos apresentamos, conversamos um pouco, compartilhamos algumas risadas e combinamos o reencontro para mais tarde, já que eles precisavam retornar para o Hotel, tomar um banho e se arrumar para o espetáculo. Enquanto isso nós aproveitamos para conhecer a cidade.

Porto Feliz, que surpresa

Porto Feliz é uma cidade localizada na região de Sorocaba, tendo aos seus pés o Rio Tietê. Ainda que poluído na região, a distância da capital já permitiu que víssemos uma bela paisagem no Parque das Monções, “exato local de onde saiam os batelões rumo às minas de ouro do Mato Grosso”, segundo o guia turístico da cidade. A revoada de garças (muitas!), o pôr do sol tendo à sua frente a ruína da usina de açúcar e ao nosso fundo o paredão salitrozo esculpido pelas mãos do tempo.

Percorríamos a praça central, com a Igreja, a rua dos bancos, a lanchonete point, algumas ladeiras e ruas de paralelepípedo típicos de uma cidade antiga e interiorana, com o sempre olhar estranho dos habitantes que olham forasteiros com estampa na cara, no jeito e na pressa, da origem de cidade grande. A capital e o capital nos deixam estranhos mesmo, mas não importa, qualquer breve conversa já deixa para trás as primeiras impressões e um outro ritmo de conversa faz o dia render como nunca.

E foi a conversa embalada na porta da Estação das Artes com Paulo, ator e morador de Porto Feliz, que já fez valer os 139Km de Castelo Branco (segundo o Google). “Comecei a fazer teatro tarde, mas agora não paro mais” disse Paulo com a emoção de só quem realmente ama o que faz expressada no olhar. Paulo faz parte do grupo local que encena anualmente a história das monções, disse que cerca de 10 mil pessoas acompanham o teatro a cada ano. O espetáculo itinerante segue pelas ruas da cidade e parque das monções, mobilizando os habitantes tanto como público quanto como artistas. Foi assim que Paulo começou a fazer teatro. Ele nos conta em uma longa conversa que chegou a inclusive participar de cursos na capital paulista e rimos sobre esse paradoxo do interior buscar a capital como referência e nós da capital cada vez mais buscar distanciar esse olhar viciado da metrópole. Que bom, assim podemos sempre trocar, pensamos.

Amizade dessas instantâneas só acontecem quando o momento é realmente especial. Comprovaríamos essa sensação de dia perfeito depois do anoitecer, com o retorno da Trupe Guaraciaba ao teatro.

Encontro de Gerações

Estávamos no saguão já rascunhando um texto para ser publicado quando os artistas da trupe retornaram ao espaço. Encontramos novamente Dona Iracema, Hude Rocha (o famoso palhaço Fedegoso), Guaraciaba e também Alexandre Malhone diretor deste e de outros espetáculos da trupe e um dos responsáveis pelo importante trabalho de resgate da dramaturgia do circo-teatro brasileiro para a cena. Junto deles muitos familiares que, pela proximidade com Sorocaba (região de sede do grupo), puderam acompanhar a apresentação e também alguns atores da Trupe Koskowisck, de Sorocaba. Alí víamos o quanto de fato arte e vida não se separam – Arte pela arte, vida pela vida, arte pela vida e vida pela arte.

A conversa correu por diversos rumos. Falamos do ser artista, das dificuldades da itinerância, do trânsito entre o circo e o teatro, do quê define ser ou não ser de circo, assim como ser ou não ser de teatro ou de qualquer outra linguagem, as políticas públicas, a articulação e também a desarticulação da categoria, estética, ética, memórias, histórias, projetos… um bom papo para quem gosta de bom papo! Alí esquecemos qualquer objetivo de pesquisa, não mais havia uma posição distanciada entre objeto e pesquisador: foi conversa sem pauta, objeto e objeção. O papo era uma profunda e séria conversa fora, um contar de histórias que se emendam em outras e outras e outras, informal no jeitão e comprometida em seu conteúdo. Resumindo, papo bom, daqueles em que cada assunto daria um artigo!

O que mais nos marcou foi descobrir um inesperado encontro de gerações. A nossa expectativa era a de encontrar o tradicional circo-teatro em cena, com sua dramaturgia e artistas próprios desta linguagem e história. Não, não foi assim. Vimos sim um transbordar de história viva, porém contada não somente pela “velha guarda”, conforme eles mesmos definem os artistas “das antigas”, mas também por atores e atrizes de “escolas de teatro” que trazem outras propostas de trabalho “muito mais inspiradas nos processos de criação do teatro contemporâneo, do teatro de grupo”, nos diz Alexandre. Como em qualquer encontro, conflitos são gerados e, junto com os conflitos, a sensação de instabilidade, de desconforto em alguns momentos. Mas se é o conflito um elemento próprio da natureza teatral e a instabilidade o elemento propulsor do movimento, podemos dizer que a Trupe Circo-Teatro Guaraciaba recebeu um presente dos deuses da arte! Independente das dificuldades de processo, narrados para nós tanto por Alexandre como por Dona Iracema, o espetáculo Cara Suja pulsava, era vivo, movimento entre tradição e inovação, pesquisa e memória.

A cena perfeita

Escrita por Benedito Esbano, Cara Suja é uma tradicional peça da dramaturgia do circo-teatro que traz a comédia e os hábitos caipiras para narrar uma história de encontros e desencontros. Amores, piadas de duplo sentido, o capiau, o fazendeiro, a realidade da cidade em conflito com a do campo. Parecia que o espetáculo traduzia os sentimentos vividos neste dia pelos integrantes do Balaio. E sempre rindo, de tudo.

Se a conversa com Paulo já tinha feito valer a pena toda a estrada, o carro alugado, o sono do acúmulo de trabalho e a febre como resultado, assistir ao espetáculo coroou a intensidade de um dia inteiro. E dessa coroa com certeza a pedra mais brilhante é a cena protagonizada por Hude Rocha e Dona Iracema. Sentados em um banco, com o resto da cena limpa, presenciamos um claro poder que só a experiência traz, a experiência de muitas praças percorridas, muitos desafios proporcionados pelos encontros. A cena era um simples jogo de palavras que compunham uma divertida narrativa, com muito duplo sentido (sempre ao jeitinho braisleiro). O que mais chama a atenção é a fluência proporcionada pelos dois artistas, capaz de levar o público ao êxtase, capacidade essa que o circo soube nos ensinar tão bem. Infelizmente não achei registro da cena no Youtube, fica a dica para a Trupe postar! Mas o finalzinho era mais ou menos assim:

Dona Iracema acabava a cena, já com todo o público ganho, levantando do banco com a seguinte fala saindo de cena:

– Não aguento mais essa história de toda hora tocar gado. Tocar gado na segunda, tocar gado na terça, tocar gado na quarta… toda hora tocar gado…

A volta

Depois de muitas fotos e promessas de retorno, combinamos assistir a estréia do próximo espetáculo em Sorocaba e aprofundar todas as conversas iniciadas. Seguimos cada qual seu rumo, não sem antes uma parada na única lanchonete aberta na cidade em um sábado as 23h. Mais alguns olhares para nós forasteiros e um belo chesseburguer encerrou nossa viagem.

E como é bom sair de São Paulo para descobrir tantas maravilhas. Por isso deixamos aqui o seguinte apelo: não esperem que venham, vão, sigam nosso Balaio para assistir tão importantes manifestações artísticas pelo nosso Brasil! Vagueiem conosco por estradas por vezes tão próximas, mas, ao mesmo tempo, desconhecidas pelo vício de fechar-se no próprio eixo.

O paradoxo da São Paulo megalópole cosmopolita é sê-la, também, provinciana. Será que estamos vivendo este momento? Isso é texto para outro artigo…

Obrigado Circo-Teatro Guaraciaba por nos provocar tantas questões!


CLIQUE NO LINK PARA LER ESTE ARTIGO NA ÍNTEGRA: http://circodobalaio.wordpress.com/, publicado em 26 de junho de 2011 pelo Grupo doBalaio

Related posts

O Guarany no Cinema Brasileiro: visão da imprensa entre 1908 e 1926 (pdf)

Silva

Convencion Argentina de Malabares, Circo y Espectaculos Callejeros: performance cultural, tradicionalizacion e identidad (pdf)

circon

E o palhaço brasileiro? O que é? Parte 1: Graciosos e cômicos nos tempo coloniais (pdf)

circon

Leave a Comment